"Socialismo e liberdade"

"Socialismo e liberdade"
"Proletários de todos os países, uni-vos!" (Karl Marx e Friedrich Engels; Manifesto do Partido Comunista)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

AS CAUSAS DO FRACASSO DO SOCIALISMO SOVIÉTICO - PARTE II

A fracassada experiência socialista na URSS e no Leste Europeu teve a importância histórica de representar uma alternativa de sociedade pós-capitalista, onde se buscava acabar com a exploração do homem pelo homem. Apesar de todos os crimes promovidos pelo stalinismo, conseguiu transformar a Rússia semi-feudal dos czares em uma superpotência nuclear, que ameaçou a hegemonia mundial dos EUA, inclusive lançando o primeiro homem no espaço, o major Yuri Gagarin em 1961.

O fracasso dessa experiência não se deveu apenas ao stalinismo, mas também aos graves erros do bolchevismo(o modelo socialista desenvolvido pelo revolucionário Vladimir Lenin), erros que possibilitaram o surgimento do stalinismo. Portanto o fracasso dessa experiência não deve ser visto como o fim da alternativa socialista, mas sim como a possibilidade de correção dos graves erros que levaram a esse fracasso, assim como a possibilidade de aprimorar o pensamento socialista, segundo os paradigmas da luta de classes no século XXI.

Lamento profundamente que a maior parte da esquerda continue ignorando esses graves erros, limitando sua critica ao chamado stalinismo. Segundo essa gente, se não fosse o maldito Stalin, certamente estaríamos no paraíso socialista. É o caso de Frei Betto, que afirma ser um desafio teórico para a esquerda, construir "um socialismo sem stalinismo, dogmatismo, sacralização de líderes e de estruturas políticas."

Ora, ninguém pode subestimar o papel nefasto que Stalin cumpriu na história, mas atribuir a ele esta importância é, no mínimo, um simplismo que exige uma grande dose de boa vontade para convencer a nós mesmos. A crise do socialismo é bem mais profunda, pois o que fracassou no Leste Europeu, e nos outros países do chamado socialismo real, foi um determinado tipo de socialismo, cujos pressupostos teórico-filosóficos estavam contidos no marxismo-leninismo.

O stalinismo não foi resultado de uma "contra-revolução burocrática", como insistem em dizer os trotskistas. Não que o stalinismo seja uma continuação lógica do bolchevismo, não é isso que afirmo, mas sem sombra de dúvidas essa aberração surgiu por culpa da natureza autoritária e burocrática do modelo bolchevique.

Dogmatismo, sacralização de estruturas políticas, autoritarismo, burocratismo e outras deformidades, já se encontravam presentes nos tempos de Lenin e dos bolcheviques. O regime de partido único foi estabelecido em junho de 1918, após uma revolta dos socialistas revolucionários de esquerda contra a paz com os alemães, e em março de 1921, no X Congresso do Partido Comunista da Rússia(bolchevique), foram proibidas as tendências no interior do partido com o claro objetivo de calar a "Oposição Operária", que era uma tendência sindical e que já denunciava a excessiva burocratização do Estado soviético.

Os crimes contra a humanidade, como execuções de pessoas acusadas de atividade contra-revolucionária, sem que houvesse julgamento, massacres contra camponeses que se rebelavam contra a desastrosa política do "comunismo de guerra", e a criação de campos de concentração onde ficaram aprisionados até mesmo crianças, começaram a ocorrer já a partir de agosto de 1918, no começo da guerra civil. Portanto é absurdo querer um socialismo sem stalinismo, quando mantemos aquilo que o gerou, ou seja, o leninismo(também chamado de bolchevismo).

O regime bolchevique preparou o terreno para o verdadeiro totalitarismo dos grandes campos de trabalho forçado e do genocidio da era stalinista. Citando o filósofo marxista Ruy Fausto: "Não que eu suponha uma simples continuidade entre bolchevismo e stalinismo. Mas afirmo sim que o totalitarismo stalinista é impensável sem o bolchevismo, e que há linhas reais de continuidade entre os dois". (Ruy Fausto; em Em Torno da Pré-História Intelectual do Totalitarismo)

O filósofo marxista Pietro Ingrao, figura histórica do comunismo italiano, fez autocritica e reconheceu ter sido Lenin quem assinou o decreto criando o primeiro campo de concentração na Europa, para aqueles que não compartilhavam suas idéias. Ele fez essa autocritica ao se recordar da agressão imperialista da URSS contra a Hungria, ocorrida em 1956, quando foi reprimida uma revolução socialista e democrática que buscava libertar a Hungria do domínio soviético.

"Já Lenin afirmava a construção violenta do Estado e do poder político, e não se tratava só de uma resposta revolucionária ao sangue do capitalismo. Era uma idéia errada, erradíssima, de abuso e de esmagamento, que também atingiria, cedo ou tarde, uma parte do movimento operário. Tal como ocorreu, precisamente, em Budapeste, em 1956. E não só. Os massacres estavam fadados a se voltarem contra os próprios militantes, os próprios filhos. Os tanques na Hungria nos abriam os olhos para uma violência que devíamos recusar, e no entanto foi apregoada e inscrita nas nossas bandeiras. (...)

Antes nos iludíamos dizendo que havia uma diferença substancial entre os dois personagens centrais da história do comunismo e considerávamos Stalin o traidor dos ideais de Lenin. Não era verdade. Hoje, por sabermos a verdade, podemos captar melhor as diferenças entre Lenin e Stalin, a partir daquela que considero a mais significativa. Lenin, com sua revolução, teve em mente o poder dos sovietes e do partido, conquistado e defendido com a violência. Em vez disso, Stalin, com métodos ainda mais ferozes em relação a Lenin, tem em mente só o poder pessoal e do seu clã."

(Pietro Ingrao; Em depoimento dado a Antonio Galdo, intitulado "Il compagno disarmato" [Milão, 2004])


A autocrítica de Ingrao é radical, assinala a natureza, as raízes da ideologia comunista, e a investigação do erro não se reduz à leitura do passado, mas se torna um instrumento para olhar adiante. Mesmo que, noventa e dois anos depois, a conta da verdade seja muito alta.

"Os gulags não foram uma fábula, mas não vejo por que hoje deveria assumi-los no meu patrimônio, no meu sentimento de comunista, agora que não tenho nem mesmo o álibi de ‘não saber’. Ao lado desta derivação, o movimento comunista no século XX arrastou classes sociais inteiras para a luta política e social, e grande parte do crescimento da democracia, pelo menos na Europa, está ligada a esta participação, a esta batalha. Por que não deveria revisitar e reexaminar nossa história, ver as luzes e as sombras? Enfraqueço-me? Penso exatamente o contrário: a autocrítica me reforça. O arrependimento é uma palavra que não pertence à minha linguagem, tem um sabor de sacristia. Mas, se arrepender-se significa reconhecer os erros, então não tenho medo desta palavra. Tentar compreender onde erramos me ajuda a viver, a me sentir mais forte, a olhar para a frente. A reconstruir o passado para dar uma indicação sobre o futuro: pode-se aprender com os erros. E no horizonte futuro resta a necessidade de uma resposta às exigências, decisivas, de sentido da vida, de horizonte, num mundo vergado como então, como em todo o século XX, pela maldição de uma guerra. Passei uma vida batendo-me por coisas essenciais: o direito de se alimentar, crescer, se instruir, se cuidar, ser criativo no próprio trabalho. O movimento operário, no curso de um século, cresceu no contexto da reivindicação de necessidades fundamentais, a começar pelo grande tema do resgate do trabalho, e da exigência destas coisas nasceu a ideologia comunista, com seus erros, suas culpas, seus delitos. A violência armada, infelizmente, teve um lugar na história e na ideologia do movimento comunista. Em nome desta violência, o homem foi posto sob cadeias, quando nós o queríamos livre. Nossa derrota nasceu também daqui. Mas aquelas exigências permanecem presentes, continuam a ser atuais, e alguém terá de responder a elas..."

(Pietro Ingrao; Em depoimento dado a Antonio Galdo, intitulado "Il compagno disarmato" [Milão, 2004])


A esquerda precisa romper com a tradição autoritária do bolchevismo, resgatando o melhor do pensamento marxista na luta por um socialismo renovado, um socialismo com liberdade e democracia.

O grave erro de Frei Betto

Frei Betto escreveu um artigo, onde pergunta: "Quem diria que a revolução russa terminaria em gulags, a chinesa em capitalismo de Estado; e tantos partidos de esquerda assumiriam o poder como o violinista que pega o instrumento com a esquerda e toca com a direita?" (Frei Betto; em Somos Todos Pós-Modernos?)

Oras, será que ele não conhece a história da Revolução Russa?? Os gulags de Stalin surgiram no começo da guerra civil, menos de um ano após a vitória da Revolução de Outubro. E mais, a revolução chinesa gerou o regime maoista, que era totalitario e foi responsável pela morte de 70 milhões de chineses. E já durante esse regime se deu a aproximação com o imperialismo yankee, após os chineses quase entrarem em guerra contra a URSS, pelo fato de Mao Tsé-tung se opor a desestalinização realizada por Kruschev. E essa aproximação com os yankees rendeu a entrada da China na ONU, que em troca não condenou o golpe militar contra Salvador Allende, no Chile. Depois Frei Betto achar que a revolução chinesa ter caminhado para o que chama de "capitalismo de Estado", tenha sido o pior é o fim da picada. O pior foi a barbárie maoista.

O historiador marxista Jacob Gorender, também fez uma critica feroz ao leninismo, em "Marxismo sem utopia", reconhecendo a culpa desse modelo no surgimento da bestialidade stalinista.

"O que deixei claro é que não se deve ter um modelo como o do Partido Bolchevique: uma direção de revolucionários profissionais apoiada numa rede de células, organizações e pessoas que não são profissionais, que estão na vida comum, e que se tornam militantes do partido. Esta concepção altamente centralizadora é indissociável do partido único, do autoritarismo e do arbítrio, como ocorreu na União Soviética. O partido único ditatorial já estava implícito na lógica do Partido Bolchevique desde o momento em que ele se propôs a tomada do poder. Rosa Luxemburgo percebeu isso, embora o dissesse de maneira muito simplificada. Da minha parte, militei em partidos inspirados por este modelo e vivi suas contradições.

O modelo bolchevique incorporou, em sua visão da ação política, um centralismo enorme, bem como a idéia de que poderia dirigir sozinho a sociedade. Tomemos, por exemplo, a questão da dissolução da assembléia constituinte na Revolução Russa: o problema não foi tê-la dissolvido, mas não se ter nenhuma proposta democrática alternativa. Os sovietes, desde a tomada do poder, passaram a ser uma correia de transmissão do partido e terminaram esvaziados. Em seguida, os sindicatos e as outras organizações de massa foram se tornando o que Lenin tinha em vista: correias de transmissão do partido único. Quando, em 1921, as tendências foram proibidas dentro do partido bolchevique, a idéia era de que isto seria temporário; mas o temporário se tornou permanente. Essas coisas práticas, mais do que as declarações, formam aquilo que chamo de modelo bolchevique. É isto que deve ser evitado."

(Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 43)


A verdade é que a "ética bolchevique" sempre encarou a defesa da democracia e do sistema republicano como um movimento meramente "tático", tanto que Lenin argumenta em "A revolução proletária e o renegado Kautsky", escrito em 1918, que "A ditadura revolucionária do proletariado é um poder conquistado e mantido pela violência, que o proletariado exerce sobre a burguesia, poder que não está preso por nenhuma lei."

Portanto Frei Betto e a maior parte da esquerda, erram gravemente ao não perceber que o desafio teórico é construir um socialismo sem leninismo, pois não basta ser anti-stalinista. A esquerda precisa romper com a tradição autoritária do bolchevismo, resgatando o melhor do pensamento marxista na luta por um socialismo renovado, um socialismo com liberdade e democracia.

Abaixo, texto de Frei Betto onde limita sua critica ao stalinismo.

Ética e política
Frei Betto *

A "ética" neoliberal se reduz às virtudes privadas dos indivíduos. Ignora a visão de institucionalidade ética. Assim, reforça a atitude paralisante do moralismo, que reduz a ética a uma ilusória perfeição individual. Ora, se a sociedade é estruturada, a ética é imprescindível para configurarmos o mundo histórico. Portanto, a ética exige uma teoria política normativa das instituições que regem a sociedade. Como acentua Marilena Chauí, não basta falar em ética na política. A crítica às instituições geradoras de injustiças e negadoras de direitos exige uma ética da política. Criar espaços de criação de novos direitos. As instituições devem garantir a toda a sociedade a justiça distributiva - a partilha dos bens a que todos têm direito -, e a justiça participativa, a presença de todos - democracia - no poder que decide os rumos da sociedade.

O grande desafio ético hoje é como criar instituições capazes de assegurar direitos universais. Isso supõe uma ruptura com a atual visão pós-moderna, neoliberal, de fragmentação do mundo e exacerbação egolátrica, individualista. Ainda que o ser humano tenha defeito de fabricação, o que o Gênesis chama de "pecado original", há que se criar uma institucionalidade político-social capaz de assegurar direitos e impedir ameaças à liberdade e à natureza. Isso implica suscitar uma nova cultura inibidora dessas ameaças, assim como ocorre em relação ao incesto, outrora praticado no Egito, sem faltar os exemplos bíblicos.

De onde tirar os valores éticos universalmente aceitos? Como levar as pessoas a se perguntarem por critérios e valores? Hans Küng sugere que uma base ética mínima deve ser buscada nas grandes tradições religiosas. Seria o modo de passarmos das éticas regionais a uma ética planetária. Mas como aplicá-la ao terreno político? Mudar primeiro a sociedade ou as pessoas? O ovo ou a galinha?

Inútil dar um passo atrás e fixar-se na utopia do controle do Estado como precondição para transformar a sociedade. É preciso, antes, transformar a sociedade através de conquistas dos movimentos sociais, e de gestos e símbolos que acentuem as raízes antipopulares do modelo neoliberal. Combinar as contradições de práticas cotidianas (empobrecimento progressivo da classe média, desemprego, disseminação das drogas, degradação do meio ambiente, preconceitos e discriminações) com grandes estratégias políticas.

É concessão à lógica burguesa admitir que o Estado seja o único lugar onde reside o poder. Este se alarga pela sociedade civil, os movimentos populares, as ONGs, a esfera da arte e da cultura, que incutem novos modos de pensar, de sentir e de agir, e modificam valores e representações ideológicas, inclusive religiosas.
"Não queremos conquistar o mundo, mas torná-lo novo", proclamam os zapatistas. Hoje, a luta não é de uma classe contra a outra, mas de toda a sociedade contra um modelo perverso que faz da acumulação da riqueza a única razão de viver. A luta é da humanização contra a desumanização, da solidariedade contra a alienação, da vida contra a morte.

A crise da esquerda não resulta apenas da queda do Muro de Berlim. É também teórica e prática. Teórica, de quem enfrenta o desafio de um socialismo sem stalinismo, dogmatismo, sacralização de líderes e de estruturas políticas. E prática, de quem sabe que não há saída sem retomar o trabalho de base, reinventar a estrutura sindical, reativar o movimento estudantil, incluir em sua pauta as questões indígenas, étnicas, sexuais, feministas e ecológicas.

Neste mundo desesperançado, apenas a imaginação e a criatividade da esquerda são capazes de livrar a juventude da inércia, a classe média do desalento, os excluídos do sofrido conformismo. Isso requer uma ideologia que resgate a ética humanista do socialismo e abandone toda interpretação escolástica da realidade. Sobretudo toda atitude que, em nome do combate à burguesia, faz a esquerda agir mimeticamente como burguesa, ao incensar vaidades, apegar-se a funções de poder, sonegar informações sobre recursos financeiros, reforçar a antropofagia de grupos e tendências que se satisfazem em morder uns aos outros.

O pólo de referência das esquerdas, em torno do qual precisam se unir, é somente um: os direitos dos pobres.

* Frei Betto é frei dominicano, escritor e assessor de movimentos sociais

5 comentários:

  1. O comunismo judaico do judeu Kissel Mordekay, dito de "Karl Marx", sempre foi um fracasso na Rússia e o Leste Europeu, mas sustentado pelo criminoso Ocidente "democrata"!

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